Este trabalho tem, provavelmente, muitas incorrecções. Colocam-se-me sobretudo três tipos de dúvidas:

• nalguns casos, é bem possível que eu tenha tomado por moçambicanismos expressões que são apenas criações individuais;

• outras vezes, posso ter considerado moçambicanismo uma expressão local, compreendida apenas pelos falantes da língua da região;

• posso ainda ter considerado moçambicanismo alguma expressão de variantes do português que não conheço bem, sobretudo brasileirismos (ver caixa sobre esta questão ao fundo da página);

• finalmente, no caso de nomes de animais e plantas, é-me muito difícil saber quando é que os nomes que encontrei nas minhas pesquisas são realmente moçambicanismos ou são usados também noutras regiões de língua portuguesa – castanha de Inhambane ou maçaniqueira de Tete são obviamente moçambicanismos, mas amendoim do corvo sê-lo-á também?


As vossas críticas e sugestões (incluindo correcções de gralhas e de defeitos de layout), deixem-nas, por favor, nos comentários ou escrevam para

lucaslindegaard@gmail.com

Como isto é um glossário e não um verdadeiro blogue, os comentários serão apagados ao fim de algum tempo, nas arrumações periódicas que faço. Prefiro que me escrevam para o e-mail acima ou que me deixem um contacto nos comentários, para poder haver diálogo sobre as vossas propostas.

Identifico sempre a pessoa que me sugeriu uma determinada entrada (com o nome e outros dados que constem do comentário ou do e-mail que escreve, a não ser, claro está, que me dê indicações em contrário).
_______________________________________________

Ao fundo da página, há algumas notas sobre o português de Moçambique:

Instabilidade no uso dos pronomes objecto

Construção com nem no início de frase

Redobro

Pronúncia do português em Moçambique

Particularidades da voz passiva

A questão dos brasileirismos

Só as minhas definições e propostas etimológicas é que são... minhas!...

Quero deixar claro que o facto de citar, nos comentários às entradas, definições ou propostas etimológicas de outros dicionários não significa que concorde com elas. Nalguns casos, discuto-as ou assinalo a minha estranheza com um [sic]; noutros casos, limito-me a apresentar a informação sem a comentar.
A ++B ++C ++D ++E ++F ++G ++H ++I ++J ++L ++M ++N ++O ++P ++Q ++R ++S ++T ++U ++V ++X ++Y ++Z

Atenção: Opto por uma grafia aportuguesada de todos os empréstimos, pelo que uso, por exemplo, ca, que, qui, co e cu, em palavras que muitas vezes se escrevem com ka, kha, ke, khe, ki, khi, ko, kho, ku e khu. Assim, escrevo cabanga e não kabanga, muquero e não mukhero. O leitor deve ter em conta esta opção ao procurar palavras no glossário. Há também muita instabilidade na transcrição do som [š], ora com ch ora com x, pelo que devem verificar ambas as grafias possíveis. Por exemplo, a palavra que às vezes se vê grafada chicuembo, chikuembo, etc., aparece aqui como xicuembo.

C

cabanga n. f. tipo de cerveja tradicional, oteca, pombe, uputu
Moçambicanismos, de Lopes, Sitoe e Nhamuende, explica que esta bebida é feita de farinha de milho, farelo de milho, água e açúcar, mas que também se pode utilizar farinha de mapira ou de mexoeira.

cabedula, cabedulas n. m. ou f. calções
O dicionário Porto Editora regista o moçambicanismo e concorda com Moçambicanismos, de Lopes, Sitoe e Nhamuende, sobre a etimologia da palavra: vem do nhanja kabudula, “id.”. A obra de Lopes, Sitoe e Nhamuende refere que a palavra era muito usada no período colonial.

cabritismo n. m. apelo à corrupção ou aceitação de ser objecto desta; num sentido alargado, aceitação de qualquer fraude, participando directamente nela ou fechando apenas os olhos, para obter proveitos pessoais, normalmente materiais; extorsão
A palavra vem de um provérbio, “O cabrito come onde está amarrado”. Lopes, Sitoe e Nhamuende explicam que se trata de uma tradução literal de um provérbio changana.

cabrito n. m. qualquer caprino, jovem ou adulto
Em Moçambique, cabrito é a palavra não marcada, como em português europeu é cabra.

cacana 1. n. f. planta, Momordica balsamina, usada para a alimentação e para fins medicinais, sobretudo em infusão; 2. também macacana n. m.? (regionalismo de Sofala?) peixe de água doce
1. O dicionário Porto Editora regista o moçambicanismo, definindo cacana como “planta trepadeira cujas folhas e frutos são comestíveis”. Segundo este dicionário, a palavra cacana vem do ronga nkakana. No Brasil, a planta é designada como balsamina de purga. 
2. Não encontro informação muito clara sobre o peixe, mas parece tratar-se de tilápia. Colaboração de Victor Azevedo, de Coimbra, e de um leitor do glossário que apenas se identificou como José.
 

cacana 1

cacata adj. e n. agarrado ao dinheiro; pessoa agarrada ao dinheiro, avarento, forreta, sovina
O dicionário Porto Editora regista o moçambicanismo, com este mesmo significado e fá-lo derivar do changana kakata, “id.”.

cafre n. e adj., cafreal, adj. Hist. 1. designação genérica dos povos nativos da África Austral; relacionado com estes povos 2. (sobretudo no séc. XX) Muito ofensivo, com conotações fortemente racistas negro, em geral; bárbaro, rude, selvagem (do árabe kafir, “infiel”)
A história das palavras cafre e cafreal é complexa. Cafre é usado desde muito cedo, amalgamando os povos nativos da zona. A palavra foi adquirindo conotações muito racistas e muito ofensivas e, ainda durante o período colonial, o seu uso foi desaparecendo. Muitos dicionários assumem que a palavra designa de facto uma etnia e a sua língua, o que não é correcto. Curiosamente, hoje em dia, há uma expressão em que, na minha experiência, essa conotação não se mantém, talvez porque se tenha já perdido a consciência da sua origem: galinha à cafreal. Lopes, Sitoe e Nhamuende, na sua obra Moçambicanismos dizem o mesmo: “Apesar do contexto em que começou a ser utilizado, o termo cafreal na expressão galinha à cafreal, há muito utilizada, não tem tonalidades semânticas depreciativas; significa, sobretudo, o modo local de preparação da ave e o tipo de temperos usados, em particular o piripiri” (Agradeço a Margarida Castro, que chamou a atenção para o facto de a palavra merecer ser considerada um moçambicanismo, por ter aparecido como palavra portuguesa, nesta parte do mundo).

cafurro n. m. casca do coco, usada como lenha

calamidades n. f. p. roupa em segunda mão, xicalamidades (de “donativos para apoiar as vítimas das calamidades naturais”)

camisete n. f. camisola de manga-curta, t-shirt

campainhar v. i. tocar à campainha

cana (-doce) n. f. plantas do género Saccharum, especialmente Sachharum officinarum, cana-de-açúcar
Como a palavra cana não se usa para referir outros tipos de cana (usa‑se bambu), não há confusão

canário-de-moçambique n. m. tipo de ave, Serinus mozambicus, xirico
Se xirico é claramente um moçambicanismo, talvez este nome oficial do pássaro já assim não possa ser considerado. A referência directa a Moçambique, também no nome científico, leva-me, porém, a incluí-lo no glossário.

caneco n. (adj.?) goês; de ascendência goesa
Não se trata de um moçambicanismo em sentido estrito, mas é muito provável que, actualmente, a palavra se use muito mais em Moçambique do que noutros países de língua portuguesa, e é isso que justifica a sua inclusão neste glossário. O dicionário Porto Editora regista o termo como sinónimo de canarim e, portanto, com o sentido mais abrangente de “pessoa natural da antiga Índia portuguesa”. Em Moçambicanismos, Lopes, Sitoe e Nhamuende dizem que caneco se usa “para designar o natural de Goa (indiano cristão) ou os seus descendentes”, e chamam a atenção para “uma certa conotação depreciativa” do termo. Estes autores discutem ainda a etimologia da palavra, propondo duas possibilidades, ambas do tamil: kanakapilei, “escrivão, contador, gerente, administrador” ou kanakan, “membro de uma casta do Malabar”.

canfumo n. m. chefe tradicional, abaixo de um samassua

canganhiça n. f. aldrabice; batota; trabalho mal feito
O dicionário Porto Editora regista o moçambicanismo, considerando-o de origem ronga (de kanganyisa). Moçambicanismos, de Lopes, Sitoe e Nhamuende, diz que a palavra é comum a várias línguas do Sul.

canhar v. t. (alguém canhar alguma coisa ou alguém) dar pancada em; (fig.) dar cabo de aleijar, magoar; (fig.) estragar, destruir
Tanto o dicionário Porto Editora como o dicionário Priberam online registam canhar como o sentido de “varrer com canho”, sendo que canho é uma “vassoura feita de codessos”. Parece-me altamente improvável que seja essa a origem da expressão. Lopes, Sitoe e Nhamuende, em Moçambicanismos, têm uma entrada khenhar ou quenhar, palavra com origem no ronga kukhenya e com o significado de “dar caneladas” e, por extensão “prejudicar o próximo nos seus intentos” . Parece-me certo, então, que a expressão que eu ouvi coincide com esta, com uma pronúncia ligeiramente alterada – ou então eu ouvi mal. É possível que o significado se tenha alargado ainda mais, ou que eu não tenha compreendido a expressão com exactidão, das vezes que a ouvi.

canho, canhoa n. f. fruto do canhoeiro, Sclerocarya birrea (ou caffra), ocanho (do ronga nkanye, segundo [PM])
O dicionário Porto Editora regista canho como moçambicanismo, também com este significado. A etimologia é diferente da apresentada em PM: o changana kanyi. O mesmo dicionário regista para a forma canho um segundo significado, o de bebida preparada com este fruto, “usada nas festas e em memória dos antepassados”. É deste fruto, conhecido nos países vizinhos como marula, que se faz o conhecido licor Amarula.

canhoeiro n. m. tipo de árvore, Sclerocarya birrea (ou caffra), ocanheiro (ver canho para discussão da etimologia)
O dicionário Priberam online regista canhoeiro, definido como “árvore de cujo fruto se extrai uma bebida usada em cerimónias tradicionais no Sul de Moçambique”.


canhoeiro e canho

caniço n. m. parte periférica de uma cidade em que predominam as construções de materiais precários (por oposição a cimento), bairro (de bairro de caniço)

caniço-africano n. m. Phragmites mauritianus [CVP]

canimambo ? obrigado/a
A grafia mais comum é com k (que é a proposta em Moçambicanismos, de Lopes, Sitoe e Nhamuende), que não registo aqui por estranha à lógica da ortografia portuguesa. O Dicionário Porto Editora regista o moçambicanismo também com c. Estes dois dicionários dão a palavra como sendo um empréstimo ao ronga, propondo o dicionário da Porto Editora que o étimo último seja o chonai khani mambo”, literalmente “danço para o mambo”.
cantina n. f. loja geral, botica

cantineiro n. proprietário de uma cantina, lojista (de cantina)

capaz adj. usado como interjeição expressão de negação, recusa, repúdio, “nem pensar!”, “nada disso!”, “fora de questão”.
Contribuição de Maria João Couceiro, Cacém, Portugal. Segundo o Minidicionário de Moçambicanismos de Hildizina Dias, a expressão pode exprimir também admiração e dúvida.

capenta, peixe-capenta (muitas vezes grafado kapenta) n. m.? Zool. espécie de peixe pequeno de água doce, Limnothrissa miodon, que foi introduzido na albufeira de Cahora Bassa e que aí é pescado em grandes quantidades


capenta

capere-pequeno n. m. tipo de erva, Paspalidium geminatum [CVP]

capim-arroz, capim-arrozeiro n. m. tipo de erva daninha, Echinocloa corona, deolinda, falso-arroz [PD]

capim-de-hipopótamo n. m tipo de erva, Ischaemum fasciculatum [CVP]

capim-digitada n. m. tipos de ervas do género Digitaria, pulseira-de-menina [CVP]

capim-do-chire n. m. tipos de ervas do género Urochloa (de Chire, topónimo) [CVP]

capim-do-limpopo n. m. tipo de erva, Echinochloa pyramidalis (de Limpopo, topónimo) [CVP]
No Brasil, é conhecida como canarana.

capim-elefante n. m. tipo de erva, Pennisetum purpureum [CVP]
Não é designação exclusiva de Moçambique, mas parece antes tratar-se de uma designação geral em português.

capim-espiga-de-prata n. m. tipo de erva, Imperata cylindrica, capim-pluma-de-prata [CVP]
Encontrei as designações brasileiras de barão-vermelho e grama cogan.

capim-estrela n. m. tipo de erva, Dactyloctenium aegyptium [CVP]
Encontrei as designações brasileiras de capim-mão-de-sapo, capim-calandrini, capim-pé-de-galinha e pé-de-galo.

capim-niapa n. m. tipo de erva daninha, Rottboellia exaltata [PD]
Encontrei a designação brasileira de capim-camalote.

capim-parte-enxada n. m. tipo de erva, Panicum maximum [CVP]
Encontrei várias designações brasileiras relacionadas com a Tanzânia (capim-massai, capim-tanzânia, capim-mombaça).

capim-pé-de-galinha n. m. tipo de erva, Eleusine indica, naxenim-bravo [CVP]
Capim pé de galinha parece ser também um dos nomes comuns da planta no Brasil.

capim-pluma-de-prata n. m. tipo de erva, Imperata cylindrica, capim-estrela-de-prata [CVP]

capim-rosália-do-areal n. m. tipo de erva, Eragrostis ciliaris
Encontrei variadíssimas designações brasileiras: capim mimoso, capim penacho, capim de rola, capim de canário, capim pelo de rato…

capinadeira n. f. instrumento para cortar o capim, cuja lâmina forma um ângulo obtuso relativamente ao resto da ferramenta.
O Minidicionário de Moçambicanismos de Hildizina Norberta Dias refere o termo, com a variante capinadora, para designar uma máquina, mas ele é também usado para designar esta ferramenta.


capinadeira

capinar v. t. tirar o capim, sachar, mondar

capulana n. f. pano usado principalmente como saia ou para levar os bebés às costas
O termo capulana aparece registado como moçambicanismo no dicionário Porto Editora e no Priberam online. Este último define-o como sendo um “pano de que os indígenas de Moçambique se servem para cobrir o corpo desde a cintura até aos joelhos”. A definição não é correcta: a capulana, pelo menos actualmente, é usada em público apenas por mulheres (há homens que a usam, mas só em casa) e, quando usada como saia, cobre normalmente a perna abaixo do joelho. A definição do dicionário Porto Editora é melhor: “pano que se coloca à volta da cintura e chega abaixo dos joelhos”. É de notar, porém, que a capulana tem muitos outros usos. A origem proposta (do landim kap[u]lana, “id.”) concorda com a da página Capulana da Wikipedia em português, onde se diz que a palavra capulana é de origem tsonga (landim é uma palavra antiga para designar os povos do sul de Moçambique, tsuas, changanas e rongas, que se agrupam sob a designação de tsonga) e com a de Moçambicanismos, de Lopes, Sitoe e Nhamuende (ronga kapulana).

caracata n. f. massa de farinha de mandioca

caril n. m. comida que acompanha a massa, geralmente um molho; molho (de caril, mistura de temperos asiática”, de origem controversa)
O moçambicanismo está registado no dicionário Porto Editora, mas com uma definição incorrecta: “molho feito com leite de amendoim, castanha ou coco” (presume-se que castanha seja aqui castanha de caju...). Na realidade, caril tanto pode designar um molho de qualquer tipo, até uma simples tomatada, como apenas folhas cozidas em água – tudo o que acompanhe a massa.

carregar v. t. ou com dativo. levar (também pessoas) (“eu carrego-lhes para casa”)
Além dos sentidos habituais fora de Moçambique.

casquete n. f. boné de uniforme (do francês casquette, “boné”)
Deve tratar‑se não de uma importação recente, mas de um arcaísmo, digamos assim, já que a palavra francesa foi usada em português europeu, tendo depois o seu sentido evoluído para o que se encontra nos dicionários, de “barrete sem pala”. Em Moçambique (e não sei se em mais algum lado) conserva o significado francês original, com a restrição de se aplicar apenas a bonés de uniforme.

castanha (de caju) n. f. semente do cajueiro, Anacardium occidentale, (castanha de) caju
A não existência de castanhas anula a possível confusão, sendo castanha a designação normal de “caju”.

castanha de Inhambane n. f. Telfairia pedata
Encontrei também online a designação aboboreira de Inhambane.

catanar v. t. (alguém catanar alguma coisa ou alguém) cortar com catana; agredir com catana

catchaço n. m. bebida destilada, aguardente, tontonto (de cachaça, adaptado à fonética das línguas bantas?)

catembe n. f. vinho tinto com Coca-Cola (de Catembe, topónimo)
O dicionário Porto Editora regista o moçambicanismo, não especificando com que refrigerante se mistura o vinho.

catorzinha n. f. (adj.?) rapariga muito jovem encarada como objecto sexual.
Se defino de uma maneira vaga a expressão é porque, de facto, ela tanto se pode usar para uma prostituta muito jovem, como para uma namorada muito jovem, como apenas para uma rapariga muito jovem que se acha sexualmente atraente.

cavalo n. m. camião cuja cabina é independente do(s) atrelado(s)

cereja-silvestre n. m. Dovyalis hispidula e Dovyalis longispina [LP]

chacuti, xacuti n. m. prato goês, de que o coco torrado é um dos ingredientes principais
Como outras palavras goesas que aqui aparecem, chacuti não é um moçambicanismo em sentido estrito, mas é uma palavra comum em Moçambique e não o é noutras variantes do português (não aparece, por exemplo, nos dicionários não moçambicanos que consultei), donde a sua inclusão neste glossário. Segundo Moçambicanismos, de Lopes, Sitoe e Nahmuende, a palavra vem do concanim.

chambocar, chamboquear 1. v. t. (alguém chambocar alguém ou algum animal) bater com chamboco; açoitar; chicotear; vergastar 2. v. i. estudar muito, marrar (de chamboco); vara; pau; (prov. do afrikaans sjambok, do urdu chabuk pelo malaio samboq ou chambok).

chamuar, xamuar n. amigo/a
O dicionário Porto Editora regista o moçambicanismo e afirma que tem origem no sena xamwar, “id.”(contribuição de Alda Martins, Portugal).

chanfuta n. f. tipo de madeira rija, Afzelia quanzensis


chanfuta

changana adj. e n. grupo étnico de Gaza e Maputo; a sua língua; relacionado com este grupo étnico ou com a sua língua

changane n. m?. espécie de pequena corça, Neotragus moschatus (do tsua changane ou do ronga e cópi xlhengane)[CVM]


changane

chango n. m. tipo de veado, Redunca arundinum (de várias línguas moçambicanas, changana xlhango e changu, ronga xlhango e hlangu, cópi xlhango, tsua chango) [CVM]


chango

chango-da-montanha n. m. Tipo de chango, Redunca fulvorufula

chapa (cem) n. m. ou f. transporte colectivo, semiformal; por extensão, qualquer automóvel que transporte pessoas a troco de algum dinheiro (de chapa, “preço único”, de cem meticais) fazer chapa: cobrar dinheiro pelas boleias que dá nas suas deslocações (“quando vai a Nampula comprar material, o Faustino faz sempre chapa”); usar um automóvel como chapa (“ele anda a fazer chapa com o carro da companhia”)

chapo-chapo, tchapo-tchapo adv. 1. depressa 2. de forma directa, sem rodeios (do inglês chop-chop, “depressa”, do chinês dialectal k'wâi-k'wâi)

chegar v. i. ir (“já chegaram lá naquele restaurante novo?”)

cheua adj. e n. grupo étnico de Tete; a sua língua; relacionado com este grupo étnico ou com a sua língua

chibalo n. m. Hist. trabalho forçado

chibante adj. e n. bonito, bem arranjado, estiloso; beleza, pessoa bonita
Segundo Moçambicanismos, de Lopes, Sitoe e Nhamuende, o termo é de origem sena.

chicunda n. Hist. escravo soldado ao serviço de um prazeiro
Os chicundas acabaram por se tornar um grupo étnico à parte, com as sua própria língua, trajes e tradições, e especializaram-se, como homens livres, como carregadores e remadores nas viagens no Zambeze. A etnia não sobreviveu muito tempo ao desmantelamento do sistema de prazos, tendo acabado por desaparecer. Para informação detalhada sobre chicundas, ver Escravos, esclavagistas, guerreiros e caçadores. A saga dos chicundas do vale do Zambeze, de Isaacman, Allen e Barbara Isaacman (Maputo: Ed. Promédia, 2006, tradução de António C. Barradas de Slavery and beyond – The making of men and Chikunda ethnic identities in the unstable world of South-Central Africa 1750-1920)

chima n. f. papa de farinha e água, usada como acompanhamento, massa, sadza, úchua
O dicionário Porto Editora regista o moçambicanismo e define chima como: “1. prato à base de farinha de mandioca e de cereais” e “2. alimentação fundamental dos macuas (do macua eshima, “id”)”. Há aqui várias incorrecções: A chima não é um prato, a não ser que se considere um prato batatas cozidas, por exemplo – é um acompanhamento de muitos pratos. A chima também não é de farinha de mandioca e cereais, mas sim de farinha de mandioca ou de farinha de milho ou de farinha de mapira (e, pelo menos na Zambézia, a massa de farinha de mandioca tem um nome especial, chama-se caracata). A segunda definição não é independente da primeira: a chima que é “a alimentação principal dos macuas” é o tal “prato à base de farinha”. Além disso, a chima não é mais alimento de base dos macuas do que de todo o resto da população da África subsaariana. Finalmente, é discutível que o termo chima seja de origem especificamente macua, já que palavras que lhe poderiam ter dado origem existem em várias línguas da região (Moçambicanismos, de Lopes, Sitoe e Nhamuende, refere, além da língua macua, as línguas sena e nhúnguè). Pode bem ser, como matope, um termo que tem origem numa pluralidade de línguas ao mesmo tempo. O dicionário Priberam online também tem uma entrada chima com uma incorrecção: refere-a como angolanismo (que eu não digo que não seja, não sei…), sem a referir como moçambicanismo. Noto de passagem que o mesmo dicionário dá funge como sendo, ao mesmo tempo angolanismo e moçambicanismo e a palavra não se usa em Moçambique.

chissila n. m. maldição [MC]
O Dicionário Porto Editora em linha regista o moçambicanismo. Define-o como “azar, maldição” e “pouca sorte com o sexo oposto” e propõe um étimo changana, xixila, com o mesmo significado. Contribuição de Álvaro Vidal-Abarca.

chona, xona adj. e n. grupo étnico do Zimbábuè; a sua língua; relacionado com este grupo étnico ou com a sua língua
A grafia corrente é shona; adopto chona apenas porque sh não existe na escrita portuguesa. Embora muitos linguistas e antropólogos considerem um grande grupo linguístico chona, de que as línguas faladas em Manica e Sofala seriam variantes dialectais, as pessoas locais tendem a distinguir chona (falado no Zimbábué) destas línguas.

chuabo adj. e n. grupo étnico da Zambézia; a sua língua; relacionado com este grupo étnico ou com a sua língua (de chuambo)

chuambo n. m. Hist. tipo de fortificação do séc. XVII, paliçada, mussito (séc. XVIII), aringa (séc. XVII) [HM]

chuanga n. m. Hist. intérprete, mediador [Não sei qual foi a fonte, esqueci-me, pelos vistos, de anotar].
Tanto o dicionário Porto Editora como o Priberam online registam o moçambicanismo, como três acepções diferentes: “1. medianeiro entre contendores; 2. intérprete; 3. escravo de enfiteuta”, sendo que enfiteuta se deve aqui, creio eu, entender como prazeiro. Em http://www.poshistoria.ufpr.br/documentos/2006/Joserobertobportella.pdf, José Roberto Portella descreve o chuanga como “representante do prazeiro junto ao fumo”. É provavelmente esta a definição que cobre as outras três…

chuínga n. f. pastilha elástica (do inglês chewing gum, “id.”, literalmente “goma de mascar”)

chunga moio n. m. mercado informal, na Beira, dumba nengue, nas outras zonas do país (expressão ndau, “aperte o coração”=seja valente)

chunguila, xunguila, xonguila adj. 2 gén. bonito
Embora nunca tenha ouvido a expressão nem a tenha encontrado documentada nos dicionários de moçambicanismos a que tenho acesso, e nem pareça conhecida das pessoas a quem tenho perguntado, ela foi-me sugerida por dezenas de pessoas e encontra-se em textos online, de maneira que tenho de a incluir. Parece tratar-se de uma expressão com grande fortuna no período colonial, que terá caído em desuso depois disso. O dicionário Porto Editora online regista xonguila como moçambicanismo, acrescentando ao significado de “bonito; belo” o de “correcto” e propondo uma origem ronga, xongela, “id.”.

cimento n. m. parte central de uma cidade, muitas vezes correspondente à cidade colonial, que tem só edifícios de tipo europeu, por oposição a caniço ou bairros (“ele agora está a morar no cimento”)

cinquentinha n. f. motorizada de 50 cm cúbicos

cinzentinho n. m. polícia de giro (da cor do uniforme)
Colaboração de Ricardo.

clara adj. (qualificando cerveja) branca (por oposição a escura)

cocone n. m. boi-cavalo, Connochaetes taurinus [AM]


cocone

cocuana n. m. idoso
O termo pode derivar de diversas línguas. Em Moçambicanismos, Lopes, Sitoe e Nhamuende, referem a palavra kokuana, comum ao changana, ao ronga e ao tsua. Também em macua existe o termo kwakwâna, com o mesmo significado (Matos, Alexandre Valente, Dicionário Português-Macua, Lisboa: JICU, 1974).

cofió [còfió] n. m. chapéu muçulmano (do árabe keffya, kufiyya, talvez do latim tardio cofia, cofea, “capacete”)
O dicionário Priberam online regista o moçambicanismo, que define como “barrete usado pelas tropas indígenas”. Está seguramente a referir-se ao chapéu dos sipaios do tempo colonial, mas a verdade é que o cofió não é só chapéu de sipaio. Muitos muçulmanos usam cofió.


homem com cofió

colateral n. m. garantia (para um empréstimo bancário) (do inglês collateral, “id.”)

cólmane n. m. caixa térmica, geleira (de Coleman ®)

colono n. m. Hist. camponês africano livre na área de um prazo, mussenze [HM]

comida n. f. papa de cereais, sobretudo milho, chima, massa, sadza, úchua
Para além do seu significado normal nas outras variantes do português, às vezes a palavra comida designa especificamente, em Moçambique, a farinha cozida em água que constitui a base da alimentação da maioria dos moçambicanos.

concho n. m. pequena embarcação escavada canoa, piroga (de concho, “recipiente para líquidos escavado em madeira”?) [MC]
Tanto o dicionário Porto Editora como o dicionário Priberam online registam o moçambicanismo. O dicionário Porto Editora propõe a mesma etimologia que eu conjecturei…

concunhada, concunhado n. cunhada ou cunhado do cônjuge
Trata-se provavelmente não de um moçambicanismo, mas de um arcaísmo, conservado em Moçambique. Eu sei que primo vem de “primo (= primeiro) coirmão”, que vi muitas vezes em textos medievais, tendo o coirmão, que era a palavra que de facto significava primo, desaparecido. Nunca vi nem ouvi concunhada, concunhado, consogro ou consogra fora de Moçambique, mas o facto é que são formas registadas nos dicionários.

congolote n. m. animal com muitas pernas, da classe Diplopoda [MC]
Tanto o dicionário Porto Editora como o dicionário Priberam online registam o moçambicanismo, como o faz aliás a entrada Diplópode da Wikipedia em português. O dicionário Porto Editora propõe uma etimologia: o changana khoagoloti.

consogra n. f. mãe do genro ou da nora (ver comentário em concunhada, concunhado)

consogro n. m. pai do genro ou da nora (ver comentário em concunhada, concunhado)

conto n. m. mil meticais antigos = um metical novo (de conto [de reis], “mil escudos”)
De mil meticais da nova família, introduzidos em Janeiro de 2008, e que valem, cada um, 1000 meticais antigos, não se diz um conto, diz-se um milhão (de meticais antigos, claro está…).

contraparte adj. e n. Desenv. pessoa ou instituição a trabalhar directamente com o cooperante ou a organização de cooperação e ao mesmo nível (do inglês counterpart, “id.”)

cópi adj. e n. grupo étnico de Inhambane e Gaza; a sua língua; relacionado com este grupo étnico ou com a sua língua

corta-mato n. m. caminho mais curto que o caminho principal, atalho

cotação n. f. previsão do custo de um trabalho, orçamento (aportuguesamento do inglês quotation, “orçamento (de um empreiteiro, por exemplo)”)

cóti adj. e n. membro de um grupo étnico da Zambézia; a sua língua; relacionado com este grupo étnico ou com a sua língua

cuácua, ncuácuá, macuácua n. f. árvore de fruta, Strychnos madascarensis; o fruto desta árvore.
O termo ncuácuá foi-me proposto por Álvaro Vidal-Abarca, que o encontrou numa obra de Mia Couto. Descobri depois que Lopes, Sitoe e Nhamuende, em Moçambicanismos, propõem cuácua e macuácua. O moçambicanismo cuácua está registado no Dicionário Porto Editora em linha e macuácua está registado no Minidicionário de Moçambicanismos de Hildizina Norberto Dias. Explicam Lopes, Sitoe e Nhamuende que “a partir [deste fruto] se obtém uma farinha de grande valor alimentar, a fuma (ou nefuma). A polpa, depois de separada das sementes, é estendida ao sol a secar. Depois de seca, é preparada, consumida ou guardada.”
 
cuche-cuche, cucho-cucho n. m. 1. previsão do futuro, horóscopo tradicional 2. feitiço, xicuembo

cucunha n. m.? massivo? coco muito pequenino

culimar v. t. trabalhar a terra, cultivar; cavar
Segundo Moçambicanismos, de Lopes, Sitoe e Nhamuende, a palavra tem origem em palavras semelhantes em várias línguas da região, nomeadamente o chuabo kulima. Também só a ouvi na região de Quelimane. Segundo alguns, o nome da cidade Quelimane estaria relacionado com esta raiz banta, mas trata-se de uma asserção que nunca consegui confirmar.

curativo n. m. chamada de atenção, descompostura, descasca (“ele estava a abusar, tive de lhe dar um curativo”)

curva n. f. Hist. pagamento feito pelos portugueses ao Monomatapa (do chona (antigo?) kuruva, “id.?”) [HM]
O dicionário Priberam online regista a palavra nesta acepção, sem a considerar moçambicanismo e definindo-a como “tributo cafreal”.

cut [cát, cât] adj. que está sob o efeito de estupefacientes ou de álcool, bêbedo, drogado (termo de calão britânico que significa “bêbedo”)
Contribuição de Miguel, Maputo.

13 comentários:

  1. Olá, amigo. Identifiquei algumas palavras que são de uso corrente também no Brasil, então talvez não se tratem de moçambicanismos, ou então sejam palavras que chegaram por aqui vindas diretamente de Moçambique. Deixo meu e-mail caso queiras entrar em contato nicole_agazonato@yahoo.com.br

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  2. Ângelo Patrício Rafael30 de dezembro de 2013 às 15:28

    Caro amigo. Obrigado por esta grande iniciativa. No entanto queria partilhar consigo e com os outros leitores o seguinte:
    Tenho algumas reservas quanto à definição apresentada para concunhado. Segundo o meu conhecimento, essa palavra é usada para se referir aos homens que casaram irmãs; é assim como também como os homens que casaram irmãs chamam um ao outro.
    Vejo muitas palavras onde se indica como originando do Changana ou Ronga. Nao sou linguista e não sei sobre a história das línguas moçambicanas, mas fiquei com algumas interrogações e vontade de investigar mais, porque muitos desses moçambicanismos também têm alguma correspondência pelo menos com palavras das línguas Guitonga/Bitonga e xiTsuá (são as línguas nacionais de que sou fluente). É possível que o xiTsuá tenha origem no Changana, já que são muito parecidas. Ainda assim, não sei se muitas das palavras que vi têm mesmo origem no Changana, já que também existem noutras línguas e certamente esses moçambicanismos surgiram já depois da existência autónoma dessas línguas. o s da Ângelo Patrício Rafael

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  3. Caro Ângelo Patrício, tem toda a razão, vou corrigir a definição de concunhado. Muito obrigado. Tenho tendência a atrapalhar-me com estas coisas de parentescos. Quanto às origens das palavras, eu também não sei nada de línguas moçambicanas e, quando proponho aqui uma etimologia, é porque a encontrei nalguma obra que achei fiável. O xítsua é da mesma família do changana e do ronga. Neste glossário, seguindo alguns autores, designo o conjunto dessas línguas como tsonga, mas tsonga nem sempre significa isso, às vezes é usado como sinónimo de changana. É natural que haja muitas palavras iguais nessas línguas e é difícil estabelecer de qual delas uma palavra passou para o português de Moçambique, quando isso acontece. Se quiser contactar-me, escreva para lucaslindegaard@gmail.com, por favor. Mais uma vez muito obrigado.

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  4. Caro Lindeegard: parece-me que cabedula se usa(va) no feminino. Além de ser o mais lógica, já que termina em "a", foi só assim que encontrei a palavra em usos reais no Google, como aqui http://mimiteixeira.blogspot.com.br/2015/08/a-cadeira-verde-de-lona.html e aqui http://capulanasdaalma.blogspot.com.br/2012/12/menino-franzino.html

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    1. Caro Privai Se Ti,

      Muito obrigado pelo seu comentário. Não há dúvida de que cabedula(s) se usa no feminino. O Porto Editora, porém, o Portal da Língua Portuguesa do ILTEC e o Minidicionário de Moçambicanismos de Hildizina Norberto Dias registam o termo como masculino. Eu sei que ouvi a palavra, mas só muito poucas vezes, e não me lembro, sinceramente, que género lhe davam. Tendo em conta tudo isto e a sua simpática colaboração, parece-me que o mais sensato é reconhecer instabilidade de género. Já acrescentei "ou f." à entrada.

      Mais uma vez muito obrigado,

      Vítor

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    2. Eu que agradeço, Vítor. Mais 3 perguntas: "bassa" com sentido de emprego, trabalho, você conhece? 2) Sugiro passar o chipene daqui para o x, pois é xipene que vem nos dicionários e no Vocabulário Ortográfico; 3) a Porto Editora regista calunga como "coelho" em Moçambique mas nunca ouvi isso nem o encontro em lugar nenhum - desconfio que seja gralha, erro. Já o terá ouvido?

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    3. Muito obrigado, privai se ti, e desculpe ter demorado tanto tempo a reagir. Não consigo atestar nem bassa nem calunga. De resto, a sua proposta de considerar xipene a ortografia padrão faz todo o sentido, já passei a entrada para a letra x. Aliás, só mantenho chipene como grafia alternativa porque ela aparece na obra de referência que indico (Checklist de Vertebrados de Moçambique)

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  5. Boa tarde. De há muito que sigo este excelente trabalho de divulgação. Como dizer "Comboio" em landim e outros dialetos?. Grato - cumprimentos

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    1. Caro Carlos Ramos,

      Landim é uma palavra caída em desuso (e, ao que me parece, de conotações desagradáveis hoje em dia) para designar os povos do Sul de Moçambique e as suas línguas. Parece-me provável que queira dizer línguas em vez de dialectos. (Dialectos é, muitas vezes, um termo usado para depreciar uma língua, para a a considerar inferior à língua oficial ou de prestígio, mas, com rigor, dialecto significa apenas a variação regional de uma língua. O português tem um grande número de dialectos, em Angola e Moçambique, Brasil, Portugal, etc.) Presumo então que queira saber como se diz comboio nas línguas tsonga (embora nem todos falem línguas desse grupo no sul de Moçambique). Infelizmente, não sei falar línguas bantas e este glossário é de palavras específicas do português de Moçambique, não das línguas bantas (embora algumas desses moçambicanismos possam ser empréstimos às línguas bantas), mas, por acaso, sei como se diz comboio nas línguas ronga, changana, cópi e tsua: xitimela. Esta palavra, que provém do inglês steam(er), entrou também para o português de Moçambique (cf. a entrada xitimela neste glossário).

      Melhores cumprimentos.

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  6. Gostei de recordar os termos usados na minha terra!Kanimambo!

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  7. Bom dia Víctor e caros leitores. Primeiro gostaria de agradecer imenso por este trabalho. Aprendi bastante sobre muitas expressões que muitas vezes usava sem saber o real significado.
    Gostaria de conhecer a origem e o significado da palavra "karingana", da clássica obra do escritor José Craveirinha, "Karingana wa karingana".
    Desde ja agradeço.
    Cangela

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  8. Caro AMIGO - Parabéns, acima de tudo! Exceelnte trabalho. Quanto a CAPAZ com o sentido de interjeição que refere, não será propriamente um moçambicanismo. Se pesquisar nos sites de Vocabulários de Estados e Cidades do Nordeste Brasileiro (Ceará, Alagoas, Pernambuco, Maranhão, etc) aparece com frequência. E de novo nos Estados do Sul - Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, etc. Ou seja, afro-brasileiro, no mínimo. Um abraço e, de novo, parabéns. H

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Instabilidade no uso dos pronomes objecto

O português de Moçambique está a atravessar uma fase de grande instabilidade no que diz respeito ao uso dos pronomes objecto.

Quanto à colocação do pronome na frase, observa-se às vezes uma tendência para a anteposição do pronome relativamente ao verbo, como no português do Brasil (“Eh, pá, você me está a insultar, ou quê?”) e às vezes uma tendência para a posposição do pronome em situações em que tal não aconteceria nem no português europeu nem no português brasileiro (“Como ela chama-se?”).

Além disso, há grande instabilidade na escolha das formas de acusativo e dativo. Por influência da estrutura das línguas bantas, a tendência é cada vez mais usar sempre lhe(s) quando o pronome refere pessoas, independentemente de se usar com um verbo transitivo directo ou não: “A Ermelinda já chegou da Beira; encontrei-lhe ontem à noite na rua”.

Construção com nem em início de frase

Ao contrário do que acontece noutras variantes do português, nas frase iniciadas com nem, com o sentido de “nem sequer”, coloca-se um não antes do verbo: “estava teso, nem dinheiro para beber uma cerveja não tinha”. A construção também é usada pelos moçambicanos que têm o português como língua materna.

Redobro no português de Moçambique

Chamo redobro à duplicação consecutiva de uma unidade lexical.

Em português, usa-se o redobro de nomes e adjectivos (“ele é doido doido” ou “isto é que é medronho medronho”), de quantificadores, em frases negativas (“não gosto muito muito”, “não é assim tanto tanto…”) ou de formas verbais, para formar nomes (chupa-chupa).

Em Moçambique, há algumas destas formas com redobro de forma verbal para formar nomes que não são utilizadas no português europeu. Dois exemplos de que me lembro são ganho-ganho, que significa trabalho remunerado monetariamente, por oposição aos sistemas de ajuda mútua, e mata-mata, para referir o jogo infantil que em Portugal se chama apenas mata.

Usa-se também muito o redobro do quantificador pouco para formar um adverbial pouco-pouco, que significa “pouco a pouco”, “devagarinho” (“Como vão as obras lá de casa?” “Iá, mas estamos a fazer pouco-pouco”), mas é provável que não se trate de um verdadeiro redobro, mas antes do apagamento do a, que é comum em Moçambique: “Estou pedir” em vez de “estou a pedir”, “garrar” ou “cabar” em vez de agarrar ou acabar, etc.

Finalmente, outro uso muito moçambicano do redobro é o que se faz com numerais, quando se fala de preços, para significar “cada um”:
- A como está a folha de abóbora?
- Está (a) mil mil (=mil meticais [antigos] cada molho).
ou
- A como estão os cigarros? [em Moçambique, vendem-se na rua cigarros avulsos]
- Quinhentos quinhentos (=cinquenta centavos cada).

Pronúncia do português em Moçambique

Português língua materna

A pronúncia dos moçambicanos de língua materna portuguesa da 1ª geração (isto é, os que já tinham o português como língua materna na altura da independência) é muito parecida com a do português europeu, muitas vezes indistinguível. Dois traços que podem às vezes caracterizar o sotaque desses moçambicanos são a pronúncia “dura” de d e g entre vogais (ou seja, pronunciar da mesma forma os dois dd de dado ou os dois gg de gago) e pronunciar como um j o s entre vogais quando este liga duas palavras (ou seja, pronunciar “’tás a fazer” [tàjafazer] em vês de [tàzafazer]) [o que também pode acontecer, aliás, em algumas zonas de Portugal]. Os rr são sempre vibrantes alveolares e nunca guturais.

A mesma pronúncia muito próxima da pronúncia europeia mantém-se entre as elites de língua materna portuguesa das gerações seguintes (normalmente em pessoas com pais de língua materna portuguesa) e sobretudo em Maputo, que é onde há maior percentagem de falantes de português como língua materna ou de nível elevado como língua segunda.

Há muitos casos, porém, em que os moçambicanos que agora têm o português como língua materna não têm pais de língua materna portuguesa, mas antes que utilizam o português como língua de comunicação entre eles (por exemplo, pai chuabo, mãe maconde) e que, muitas vezes, vivem num meio onde o português é falado como língua de comunicação. Nestes casos, há fortes influências da pronúncia da língua da zona onde a pessoa vive e a sua pronúncia é muito parecida com a das pessoas da zona que falam o português como língua segunda ou estrangeira.

Português língua segunda ou estrangeira

É muito difícil fazer uma descrição unificada da pronúncia do português como segunda língua ou língua estrangeira, porque essa pronúncia difere, naturalmente, de região para região, em função da língua materna das pessoas. Há, porém, alguns traços comuns a muitas línguas bantas (alguns a todas), que posso aqui apontar:

• Ausência de encontros consonânticos típicos da pronúncia europeia ou impossibilidade de ocorrência no fim da palavra de determinadas consoantes. Neste sentido, muitos moçambicanos falam “como” os brasileiros ou os espanhóis – para dizer stress, pneu ou afta, por exemplo, introduzem uma vogal entre as consoantes: e também pode acontecer introduzirem um som vocálico, por exemplo, entre o s e o n da sequência mas nada...

A e e abertos: em geral, não há, nas línguas bantas, vogais fechadas e muito menos ee mudos, o que faz com que o [â] se pronuncie [á] e o e átono se pronuncie [i] ou [ê].

• Troca de [l] por [r], e das consoantes surdas [p], [t] e [k] pelas sonoras correspondentes [b], [d] e [g] e vice-versa. Em muitas línguas, as versões surdas e sonoras das oclusivas não são entendidas como sons diferentes, mas como variantes do mesmo som, consoante os sons que têm antes ou depois. Um exemplo extremo deste fenómeno é pronunciar [progo] a palavra bloco, como eu uma vez ouvi.

• Em várias regiões, pronúncias explosivas do t, e com a língua mais acima, como em inglês.

• Ausência de distinção entre o r simples e o r múltiplo, isto é, entre caro e carro.

• Erros de hipercorrecção: como têm consciência de que uma pronúncia “correcta” deve ter ee mudos, alguns moçambicanos fecham ee que nós abrimos em português europeu e que constituem excepção à regra de fechar todos os ee átonos. Assim, vamos ouvir pessoas que, por hipercorrecção, pronunciam esquecer [shkcer] em vez de [shkècer], por exemplo.

Deixo-vos também um link para um texto meu no meu blogue Travessa do Fala Só em que discuto uma questão de pronúncia do português em Moçambique.

Particularidades da voz passiva

Por influência da estrutura das línguas bantas, fazem-se, com muita frequência, frases passivas cujo sujeito é o objecto indirecto das frases activas que lhes correspondem. Diz-se, por exemplo, que “aquela associação de camponeses agora foi dada insumos por uma ONG suíça” ou que “nós fomos pedidos estar lá às 15 horas”.

Trata-se de uma tendência muito forte, que se começa a observar também nas novas gerações de moçambicanos de língua materna portuguesa. É provável, portanto, que se venha a afirmar como característica do português de Moçambique.

A questão dos brasileirismos

Nicole Gazonato, de São Paulo, teve a gentileza de me enviar uma lista de palavras que encontrou no glossário e que diz existirem também no Brasil. É-me impossível determinar se essas palavras foram efectivamente importadas do português do Brasil pelos moçambicanos falantes de português ou se se trata antes de coincidências, expressões surgidas independentemente em Moçambique, que, por acaso, são iguais a expressões brasileiras. É indubitável que há hoje uma grande influência do português do Brasil no português moçambicano, mas creio que algumas das expressões listadas por Nicole Gazonato existiam em Moçambique antes de essa influência existir – o que não significa que não possam, ainda assim, ter sido importadas do português brasileiro. Eis a lista das palavras referidas por Nicole Gazonato, a quem muito agradeço a sua colaboração, algumas com os seus exemplos ou comentários. Para mais informações (por exemplo, em que sentido ou uso é que estas palavras são moçambicanismos e/ou brasileirismos), ver a entrada das palavras listadas:

amanhecer
Ex. A comida amanheceu fora da geladeira; Amanheci esta noite na internet
capaz Ex. Capaz de ele vir aqui em casa hoje = De jeito nenhum ele virá, ou Duvido que ele venha
capinar
checar
concunhada, concunhado
desenho
djô
empoderamento
emprestar
ficar Ex. Fiquei em duas matérias; Fiquei de português
flat "Usa-se flat para se referir a apartamentos, principalmente os de pouca metragem, mas não de baixo padrão"
gelinho "Também geladinho, dependendo da região do país."
gingar
papudo "[No Brasil], pode-se usar num sentido mais positivo também, como uma pessoa boa de "papo", com boa lábia."
postar
sabão
saúde
tia, tio
ventar