Este trabalho tem, provavelmente, muitas incorrecções. Colocam-se-me sobretudo três tipos de dúvidas:

• nalguns casos, é bem possível que eu tenha tomado por moçambicanismos expressões que são apenas criações individuais;

• outras vezes, posso ter considerado moçambicanismo uma expressão local, compreendida apenas pelos falantes da língua da região;

• posso ainda ter considerado moçambicanismo alguma expressão de variantes do português que não conheço bem, sobretudo brasileirismos (ver caixa sobre esta questão ao fundo da página);

• finalmente, no caso de nomes de animais e plantas, é-me muito difícil saber quando é que os nomes que encontrei nas minhas pesquisas são realmente moçambicanismos ou são usados também noutras regiões de língua portuguesa – castanha de Inhambane ou maçaniqueira de Tete são obviamente moçambicanismos, mas amendoim do corvo sê-lo-á também?


As vossas críticas e sugestões (incluindo correcções de gralhas e de defeitos de layout), deixem-nas, por favor, nos comentários ou escrevam para

lucaslindegaard@gmail.com

Como isto é um glossário e não um verdadeiro blogue, os comentários serão apagados ao fim de algum tempo, nas arrumações periódicas que faço. Prefiro que me escrevam para o e-mail acima ou que me deixem um contacto nos comentários, para poder haver diálogo sobre as vossas propostas.

Identifico sempre a pessoa que me sugeriu uma determinada entrada (com o nome e outros dados que constem do comentário ou do e-mail que escreve, a não ser, claro está, que me dê indicações em contrário).
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Ao fundo da página, há algumas notas sobre o português de Moçambique:

Instabilidade no uso dos pronomes objecto

Construção com nem no início de frase

Redobro

Pronúncia do português em Moçambique

Particularidades da voz passiva

A questão dos brasileirismos

Só as minhas definições e propostas etimológicas é que são... minhas!...

Quero deixar claro que o facto de citar, nos comentários às entradas, definições ou propostas etimológicas de outros dicionários não significa que concorde com elas. Nalguns casos, discuto-as ou assinalo a minha estranheza com um [sic]; noutros casos, limito-me a apresentar a informação sem a comentar.
A ++B ++C ++D ++E ++F ++G ++H ++I ++J ++L ++M ++N ++O ++P ++Q ++R ++S ++T ++U ++V ++X ++Y ++Z

Atenção: Opto por uma grafia aportuguesada de todos os empréstimos, pelo que uso, por exemplo, ca, que, qui, co e cu, em palavras que muitas vezes se escrevem com ka, kha, ke, khe, ki, khi, ko, kho, ku e khu. Assim, escrevo cabanga e não kabanga, muquero e não mukhero. O leitor deve ter em conta esta opção ao procurar palavras no glossário. Há também muita instabilidade na transcrição do som [š], ora com ch ora com x, pelo que devem verificar ambas as grafias possíveis. Por exemplo, a palavra que às vezes se vê grafada chicuembo, chikuembo, etc., aparece aqui como xicuembo.

N

nada ? expressão de discordância, anáfora de invalidação, não (de nada (disso))

nambauane n. ? adj. ? campião, o maior, o melhor (do inglês number one, “número um”)

nameriga n. f. tipo de antílope, Sigmoceros lichtensteinii = Alcelaphus lichtensteinii, ecoce, gondonga, vaca-do-mato (do chuabo nhamurringa) [CVM]
Ver foto em gondonga.

namerrua n. m.? tipo de leguminosa, Vigna unguiculata, feijão-cute, feijão-nhemba

nascer v. t. dar à luz, parir, ter (filhos)
A definição não é muito correcta, porque este nascer moçambicano não se usa exactamente nas mesmas situações em que se usa dar à luz ou parir. De facto, usa-se sobretudo nas mesmas situações em que se usa nascer em português europeu, mas com uma estrutura sintáctica diferente, que é importada das línguas bantas e que corresponde também directamente à de muitos verbos para referir o nascimento nas línguas germânicas (como bear, em inglês, por exemplo). Assim, em vez de se dizer “nasci em Catandica”, usa-se a forma passiva “fui nascido em Catandica”. Também se pode usar o verbo na activa: “a Eurice sempre nasceu meninas, agora quer uma rapaz”.

naxenim bravo n. m. tipo de erva, Eleusine indica, capim-pé-de-galinha [CVP]

ndau adj. e n. grupo étnico de Sofala; a sua língua; relacionado com este grupo étnico ou com a sua língua

negar v. t. recusar (“ofereceram‑me um emprego, mas eu neguei, era mal pago...”)
A palavra negar é compreendida como “dizer que não” e cobre assim a negação de duas instâncias modais diferentes, a de afirmação (para a qual é usada em português europeu) e de proposta (para a qual se usa recusar em português europeu).

neneca n. f. (sobretudo na expressão fazer neneca) transporte de um bebé às costas, numa capulana; acto de nenecar

nenecar [nènècar] v. t. trazer (um bebé) às costas
O dicionário da Porto Editora online regista o moçambicanismo, atribuindo-lhe uma origem nhúnguè (nenekar, “id.”). O Minidicionário de Moçambicanismos, de Hildizina Dias, embora não proponha uma etimologia na entrada nenecar, diz que neneca vem do ronga neneka.

nganga, ganga n. m. adivinhador; aquele que lança ossículos divinatórios
Contribuição de Álvaro Vidal-Abarca, que encontrou o termo na obra de Mia Couto. O Dicionário Porto Editora regista o moçambicanismo, que diz ter origem no yao nganga, “a partir de raiz banta generalizada”. O termo está muito provavelmente relacionado com ganga, que os dicionários registam com o sentido de “sacerdote do Congo” ou “feiticeiro de angola”. No Dicionário Porto Editora, porém, as entradas nganga e ganga não remetem uma para a outra e propõe-se como étimo de ganga o quimbundo nganga.
 
nhacoda n. m. Hist. escravo encarregado de tomar conta das escravas [HM]

nhamussoro n. m. feiticeiro, macangueiro [MC]

nhanja adj. e n. membro de um grupo étnico do Niassa e de Tete; a sua língua; relacionado com este grupo étnico ou com a sua língua
Muitas vezes, encontra-se a grafia nyanja. Não sei como se escreve nhanja em nhanja, mas a grafia com ny para representar o som [nh] é tipicamente inglesa. Acho que em português se deveria escrever nhanja.

nheue n. (m.?) tipo de legume do género Amaranthus, amaranto, mboa
Segundo o Minidicionário de Moçambicanismos de Hildezina Norberta Dias, o termo vem do chuabo e do muani. Sempre vi escrito nhewe, mas, seguindo a lógica de aportuguesamento da grafia que escolhi para este glossário, tenho de grafar nheue. Aliás, a grafia nhewe é uma grafia estranha, porque a grafia banta correcta devia ser nyewe, que é o que regista o Catálogo provisório das plantas superiores de Moçambique, de Mário Calane da Silva, Samira Izidine e Ana Bela Amude

nhoca
1. n. f. cobra 2. adj. (de uma pessoa) mau (de nhoca 1.) (do tsonga nyoka, “id.”)

nhongo n. m. inveja (do changana?)

nhúnguè [nhúngüè] adj. e n. membro de um grupo étnico de Tete; a sua língua; relacionado com este grupo étnico ou com a sua língua
Sobre a grafia com nh, ver nhanja. Quanto à acentuação, ver lómuè.

nice, às vezes escrito naiss [naice] adj. bom; bonito; agradável; simpático (palavra inglesa)
Muitas vezes encontra‑se a grafia naiss, que, aparentemente, não se justifica, parecendo naice o aportuguesamento ortográfico mais lógico; o problema é que não há ee mudos na pronúncia da maior parte dos moçambicanos, correspondendo, assim, a grafia naice a uma pronúncia como [nai-sê] ou [nai-si] – é provavelmente por isso que se grafa às vezes sem e final.

ninja n. m. membro de uma quadrilha de assaltantes (de ninja, “guerreiro japonês (especialista de ninjutsu)”, do nome dado a si próprio pelos membros de um bando de Maputo)

nipa n. m. bebida alcoólica feita de cereais (do malaio nipah, nome de uma bebida alcoólica, do nome de um tipo de palmeira?)

ntxuva, ntchuva n. m.? jogo de estratégia e cálculo aritmético, jogado num tabuleiro de madeira ou no chão
Há muitas variantes e muitos nomes para o jogo, em muitos países (ver, por exemplo, a entrada mancala da Wikipédia. Segundo Moçambicanismos, de Lopes, Sitoe e Nhamuende, o termo vem do siSwati intjuba.


ntxuva

2 comentários:

  1. Fazia-me falta este glossário ainda que para matar saudades e colher saberes.
    Obrigado pela partilha.
    Sou um Moçambicano saudoso que também escreve umas coisas, entre outras, sobre a terra que me viu crescer, onde lutei numa guerra que me foi civil, entre irmãos. Em: http://riodosbonssinais.blogspot.pt/

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Instabilidade no uso dos pronomes objecto

O português de Moçambique está a atravessar uma fase de grande instabilidade no que diz respeito ao uso dos pronomes objecto.

Quanto à colocação do pronome na frase, observa-se às vezes uma tendência para a anteposição do pronome relativamente ao verbo, como no português do Brasil (“Eh, pá, você me está a insultar, ou quê?”) e às vezes uma tendência para a posposição do pronome em situações em que tal não aconteceria nem no português europeu nem no português brasileiro (“Como ela chama-se?”).

Além disso, há grande instabilidade na escolha das formas de acusativo e dativo. Por influência da estrutura das línguas bantas, a tendência é cada vez mais usar sempre lhe(s) quando o pronome refere pessoas, independentemente de se usar com um verbo transitivo directo ou não: “A Ermelinda já chegou da Beira; encontrei-lhe ontem à noite na rua”.

Construção com nem em início de frase

Ao contrário do que acontece noutras variantes do português, nas frase iniciadas com nem, com o sentido de “nem sequer”, coloca-se um não antes do verbo: “estava teso, nem dinheiro para beber uma cerveja não tinha”. A construção também é usada pelos moçambicanos que têm o português como língua materna.

Redobro no português de Moçambique

Chamo redobro à duplicação consecutiva de uma unidade lexical.

Em português, usa-se o redobro de nomes e adjectivos (“ele é doido doido” ou “isto é que é medronho medronho”), de quantificadores, em frases negativas (“não gosto muito muito”, “não é assim tanto tanto…”) ou de formas verbais, para formar nomes (chupa-chupa).

Em Moçambique, há algumas destas formas com redobro de forma verbal para formar nomes que não são utilizadas no português europeu. Dois exemplos de que me lembro são ganho-ganho, que significa trabalho remunerado monetariamente, por oposição aos sistemas de ajuda mútua, e mata-mata, para referir o jogo infantil que em Portugal se chama apenas mata.

Usa-se também muito o redobro do quantificador pouco para formar um adverbial pouco-pouco, que significa “pouco a pouco”, “devagarinho” (“Como vão as obras lá de casa?” “Iá, mas estamos a fazer pouco-pouco”), mas é provável que não se trate de um verdadeiro redobro, mas antes do apagamento do a, que é comum em Moçambique: “Estou pedir” em vez de “estou a pedir”, “garrar” ou “cabar” em vez de agarrar ou acabar, etc.

Finalmente, outro uso muito moçambicano do redobro é o que se faz com numerais, quando se fala de preços, para significar “cada um”:
- A como está a folha de abóbora?
- Está (a) mil mil (=mil meticais [antigos] cada molho).
ou
- A como estão os cigarros? [em Moçambique, vendem-se na rua cigarros avulsos]
- Quinhentos quinhentos (=cinquenta centavos cada).

Pronúncia do português em Moçambique

Português língua materna

A pronúncia dos moçambicanos de língua materna portuguesa da 1ª geração (isto é, os que já tinham o português como língua materna na altura da independência) é muito parecida com a do português europeu, muitas vezes indistinguível. Dois traços que podem às vezes caracterizar o sotaque desses moçambicanos são a pronúncia “dura” de d e g entre vogais (ou seja, pronunciar da mesma forma os dois dd de dado ou os dois gg de gago) e pronunciar como um j o s entre vogais quando este liga duas palavras (ou seja, pronunciar “’tás a fazer” [tàjafazer] em vês de [tàzafazer]) [o que também pode acontecer, aliás, em algumas zonas de Portugal]. Os rr são sempre vibrantes alveolares e nunca guturais.

A mesma pronúncia muito próxima da pronúncia europeia mantém-se entre as elites de língua materna portuguesa das gerações seguintes (normalmente em pessoas com pais de língua materna portuguesa) e sobretudo em Maputo, que é onde há maior percentagem de falantes de português como língua materna ou de nível elevado como língua segunda.

Há muitos casos, porém, em que os moçambicanos que agora têm o português como língua materna não têm pais de língua materna portuguesa, mas antes que utilizam o português como língua de comunicação entre eles (por exemplo, pai chuabo, mãe maconde) e que, muitas vezes, vivem num meio onde o português é falado como língua de comunicação. Nestes casos, há fortes influências da pronúncia da língua da zona onde a pessoa vive e a sua pronúncia é muito parecida com a das pessoas da zona que falam o português como língua segunda ou estrangeira.

Português língua segunda ou estrangeira

É muito difícil fazer uma descrição unificada da pronúncia do português como segunda língua ou língua estrangeira, porque essa pronúncia difere, naturalmente, de região para região, em função da língua materna das pessoas. Há, porém, alguns traços comuns a muitas línguas bantas (alguns a todas), que posso aqui apontar:

• Ausência de encontros consonânticos típicos da pronúncia europeia ou impossibilidade de ocorrência no fim da palavra de determinadas consoantes. Neste sentido, muitos moçambicanos falam “como” os brasileiros ou os espanhóis – para dizer stress, pneu ou afta, por exemplo, introduzem uma vogal entre as consoantes: e também pode acontecer introduzirem um som vocálico, por exemplo, entre o s e o n da sequência mas nada...

A e e abertos: em geral, não há, nas línguas bantas, vogais fechadas e muito menos ee mudos, o que faz com que o [â] se pronuncie [á] e o e átono se pronuncie [i] ou [ê].

• Troca de [l] por [r], e das consoantes surdas [p], [t] e [k] pelas sonoras correspondentes [b], [d] e [g] e vice-versa. Em muitas línguas, as versões surdas e sonoras das oclusivas não são entendidas como sons diferentes, mas como variantes do mesmo som, consoante os sons que têm antes ou depois. Um exemplo extremo deste fenómeno é pronunciar [progo] a palavra bloco, como eu uma vez ouvi.

• Em várias regiões, pronúncias explosivas do t, e com a língua mais acima, como em inglês.

• Ausência de distinção entre o r simples e o r múltiplo, isto é, entre caro e carro.

• Erros de hipercorrecção: como têm consciência de que uma pronúncia “correcta” deve ter ee mudos, alguns moçambicanos fecham ee que nós abrimos em português europeu e que constituem excepção à regra de fechar todos os ee átonos. Assim, vamos ouvir pessoas que, por hipercorrecção, pronunciam esquecer [shkcer] em vez de [shkècer], por exemplo.

Deixo-vos também um link para um texto meu no meu blogue Travessa do Fala Só em que discuto uma questão de pronúncia do português em Moçambique.

Particularidades da voz passiva

Por influência da estrutura das línguas bantas, fazem-se, com muita frequência, frases passivas cujo sujeito é o objecto indirecto das frases activas que lhes correspondem. Diz-se, por exemplo, que “aquela associação de camponeses agora foi dada insumos por uma ONG suíça” ou que “nós fomos pedidos estar lá às 15 horas”.

Trata-se de uma tendência muito forte, que se começa a observar também nas novas gerações de moçambicanos de língua materna portuguesa. É provável, portanto, que se venha a afirmar como característica do português de Moçambique.

A questão dos brasileirismos

Nicole Gazonato, de São Paulo, teve a gentileza de me enviar uma lista de palavras que encontrou no glossário e que diz existirem também no Brasil. É-me impossível determinar se essas palavras foram efectivamente importadas do português do Brasil pelos moçambicanos falantes de português ou se se trata antes de coincidências, expressões surgidas independentemente em Moçambique, que, por acaso, são iguais a expressões brasileiras. É indubitável que há hoje uma grande influência do português do Brasil no português moçambicano, mas creio que algumas das expressões listadas por Nicole Gazonato existiam em Moçambique antes de essa influência existir – o que não significa que não possam, ainda assim, ter sido importadas do português brasileiro. Eis a lista das palavras referidas por Nicole Gazonato, a quem muito agradeço a sua colaboração, algumas com os seus exemplos ou comentários. Para mais informações (por exemplo, em que sentido ou uso é que estas palavras são moçambicanismos e/ou brasileirismos), ver a entrada das palavras listadas:

amanhecer
Ex. A comida amanheceu fora da geladeira; Amanheci esta noite na internet
capaz Ex. Capaz de ele vir aqui em casa hoje = De jeito nenhum ele virá, ou Duvido que ele venha
capinar
checar
concunhada, concunhado
desenho
djô
empoderamento
emprestar
ficar Ex. Fiquei em duas matérias; Fiquei de português
flat "Usa-se flat para se referir a apartamentos, principalmente os de pouca metragem, mas não de baixo padrão"
gelinho "Também geladinho, dependendo da região do país."
gingar
papudo "[No Brasil], pode-se usar num sentido mais positivo também, como uma pessoa boa de "papo", com boa lábia."
postar
sabão
saúde
tia, tio
ventar